
Vamos começar esse texto olhando para o passado. Há apenas 10 anos, os diagnósticos dos chamados transtornos do neurodesenvolvimento em crianças e adolescentes ainda eram pouco frequentes e cercados de desconhecimento.
Nesse contexto – de décadas atrás -, muitas crianças eram rotuladas apenas como “distraídas”, “tímidas”, “agitadas” ou até mesmo “problemáticas”. O que hoje reconhecemos como características de uma mente neuro-atípica muitas vezes era visto como indisciplina, falta de interesse ou dificuldade de aprendizagem.
Felizmente, esse cenário vem mudando nos últimos anos. Atualmente, o número de diagnósticos desses transtornos tem aumentado – e isso se deve não por um crescimento real de casos, mas sim à maior conscientização, recursos, conhecimento e profissionais preparados para reconhecer e compreender essas condições não apenas de forma precoce, mas também com mais precisão e sensibilidade.
Graças aos avanços da ciência, da psicologia – da medicina, de modo geral – e da educação, que trouxeram novos olhares para a diversidade neurológica, hoje cada vez mais crianças e adolescentes são compreendidas, acolhidas e incluídas.
Vamos juntos entender melhor esse assunto?
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5 – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 11ª revisão (CID-11), os transtornos do neurodesenvolvimento são caracterizados por déficits no desenvolvimento que se manifestam geralmente na infância e afetam o funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional.
Esses transtornos abrangem um conjunto de condições que afetam o desenvolvimento neurológico, cognitivo, motor, comunicativo e/ ou comportamental, podendo variar desde limitações pontuais na aprendizagem ou no controle das funções executivas até o comprometimento de habilidades sociais e intelectuais.
Em outras palavras, os transtornos do neurodesenvolvimento têm impacto direto nos processos de aprendizagem, na socialização e no desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.
Muito além do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e do Transtorno do Espectro Autista (TEA) – atualmente os mais conhecidos pelo público -, existem outros transtornos que também fazem parte desse grupo e que merecem atenção e compreensão.
A fim de ampliar o entendimento sobre esse assunto, a seguir, apresentamos os 7 transtornos do neurodesenvolvimento. Confira!
De acordo com o Manual MSD, publicação de informações médicas, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um tipo de distúrbio do neurodesenvolvimento que pode estar presente desde o nascimento ou se manifestar nos primeiros anos de vida. Ele se caracteriza por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade, que podem afetar o desenvolvimento e a forma como a criança se relaciona em diferentes contextos.
Em suma, algumas crianças apresentam dificuldade em manter a atenção, se concentrar e concluir tarefas; enquanto outras tendem a ser mais hiperativas e impulsivas; e há ainda aquelas que apresentam uma combinação dos dois perfis. Por isso, diz-se que o TDAH pode se apresentar em três diferentes tipos: desatento, hiperativo/impulsivo e combinado. Os sintomas variam de leves a graves e podem se intensificar em ambientes específicos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por “por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva.”
De modo geral, os sinais que caracterizam o TEA costumam aparecer ainda na primeira infância, embora a intensidade e a forma como se manifestam possam ser muito diferentes em cada indivíduo. Isso porque o espectro é amplo e heterogêneo. Em outras palavras, algumas pessoas necessitam de apoio intenso e contínuo, enquanto outras apresentam maior autonomia e bom funcionamento em algumas áreas, mas enfrentam desafios em outras.
Em geral, pessoas com autismo têm dificuldades de comunicação e interação social, além de uma tendência a manter rotinas rígidas. No entanto, é importante destacar que o espectro também inclui habilidades únicas, interesses específicos e diferentes formas de perceber e interagir com o mundo.
No Brasil, os dados sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda são muito recentes. Isso porque, apenas em 2022, uma pergunta específica sobre o tema foi incluída no questionário do Censo Demográfico. A pesquisa, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgou em maio de 2025 os resultados preliminares: cerca de 2,4 milhões de pessoas declararam ter diagnóstico de TEA, o que corresponde a 1,2% da população brasileira.

Caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, a Deficiência Intelectual pode se manifestar em diferentes contextos, como na aprendizagem, na comunicação, na interação social e no cuidado pessoal.
As causas da DI são variadas e podem ter origem genética, pré-natal, perinatal ou pós-natal e, por afetar tanto aspectos relacionados ao raciocínio e à resolução de problemas quanto à capacidade de adaptação às demandas sociais e escolares, a DI acaba interferindo diretamente no ritmo de desenvolvimento e de aprendizagem dos indivíduos.
Provavelmente você já ouviu falar sobre a dislexia – essa é apenas uma das condições que compõem os chamados Transtornos Específicos de Aprendizagem. Além dela, também fazem parte desse grupo a discalculia e a disgrafia.
Os TEAps afetam habilidades acadêmicas específicas, como leitura, escrita e matemática. Em outras palavras, o estudante pode apresentar inteligência dentro ou acima da média, mas enfrenta dificuldades significativas em determinadas áreas da aprendizagem.
As causas dos Transtornos Específicos de Aprendizagem estão associadas a diferenças neurobiológicas no funcionamento cerebral, além de possíveis influências genéticas e ambientais. Essas condições afetam o modo como o cérebro processa, interpreta e organiza as informações.
De modo geral, o TDC se manifesta por meio de lentidão e/ ou falta de precisão em movimentos que exigem coordenação, como escrever, recortar, amarrar os sapatos ou vestir-se.
Essas dificuldades podem interferir tanto nas atividades cotidianas e de lazer quanto nas escolares. No contexto educacional, por exemplo, o TDC pode comprometer atividades que envolvem motricidade fina e global, afetando o desempenho acadêmico, a participação em aulas de educação física e em atividades artísticas.
Estudos indicam que o Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação pode estar relacionado a uma ativação cerebral atípica e alterações nas conexões da substância branca – a substância branca é a rede de fibras nervosas que permite que a comunicação entre diferentes áreas do cérebro aconteça.
Além disso, outra pesquisa observou que crianças com TDC apresentam diferenças estruturais e funcionais em áreas cerebrais como o cerebelo e os lobos parietal e frontal – regiões fundamentais para o planejamento e a execução dos movimentos.

Este transtorno é caracterizado pela presença de movimentos ou vocalizações repetitivas – aparentemente sem propósito e que tendem a ser involuntárias, rítmicas e persistentes. Esses comportamentos podem incluir balançar o corpo, agitar as mãos, bater a cabeça ou emitir sons repetitivos. Quando frequentes, esses movimentos interferem nas atividades cotidianas, na socialização e no desempenho escolar de crianças e adolescentes. Em alguns casos, pode gerar até mesmo risco físico, principalmente quando envolve autoagressão.
As causas do TME ainda não são completamente compreendidas, pois ainda existem poucos estudos sobre o assunto. Entretanto, sabe-se que o transtorno muitas vezes está associado a outras condições, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou a Deficiência Intelectual, por exemplo.
Piscar os olhos repetidamente, fazer caretas ou pigarrear com frequência, por exemplo, podem não ser apenas um sinal de que o corpo está em estado de nervosismo, mas sim de um transtorno do neurodesenvolvimento.
Os tiques motores e vocais são caracterizados por movimentos ou sons súbitos, rápidos, repetitivos e – diferente do Transtorno do Movimento Estereotipado – não rítmicos. Em geral, surgem na infância e podem ser transitórios ou persistentes. Quando permanecem por mais de um ano, podem estar associados à Síndrome de Tourette, por exemplo, condição que combina tiques motores e vocais.
A intensidade e a frequência dos tiques variam de pessoa para pessoa e tendem a aumentar em momentos de estresse, ansiedade ou cansaço.
Receber o diagnóstico de um transtorno do neurodesenvolvimento ainda na infância pode fazer toda a diferença na vida da criança. Isso porque a intervenção precoce é um dos fatores mais importantes – e essenciais – para promover avanços significativos aos pequenos. Quando estratégias como terapias especializadas, intervenções comportamentais, acompanhamento psicopedagógico e metodologias de ensino adaptadas às necessidades da criança são aplicadas desde cedo, maiores são as chances da criança evoluir nas áreas de aprendizagem, comunicação e interação social.
Outro ponto importante é o planejamento escolar. Um diagnóstico bem estabelecido e precoce permite que professores e gestores adequem o currículo, utilizem recursos pedagógicos mais acessíveis e construam estratégias personalizadas de ensino – tudo isso em parceria com a família, é claro! Dessa forma, a escola também se torna um ambiente de acolhimento, inclusão e desenvolvimento integral.
Por fim, mas não menos importante, o diagnóstico correto contribui para a redução do estigma em torno do assunto e garante o acesso a serviços de saúde, apoio especializado e até mesmo a políticas públicas, por exemplo. Mais que isso: oferece à criança a oportunidade de trilhar um caminho mais justo e equânime, no qual seu potencial seja reconhecido e suas dificuldades recebam a devida atenção.

Convenhamos: seja para uma criança neurodivergente ou não, a escola inevitavelmente vai desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, social e emocional do ser humano, não é mesmo?! Pudera, afinal, é nesse ambiente que os estudantes aprendem a se relacionar, a lidar com desafios e a construir suas primeiras experiências de autonomia e pertencimento.
O aumento nos diagnósticos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e do Transtorno do Espectro Autista evidencia a urgência de escolas – famílias e sociedade, como um todo – estarem preparadas para acolher e potencializar o desenvolvimento de crianças e adolescentes neuroatípicos. Diagnosticar ainda na infância abre portas para intervenções precoces que impactam diretamente na qualidade de vida, no aprendizado e na socialização dos alunos.
No entanto, o sucesso desse processo vai muito além do diagnóstico! Ele depende de um conjunto de estratégias e práticas consistentes, bem como da colaboração ativa de toda a sociedade.
A verdadeira educação inclusiva acontece quando cada indivíduo é valorizado em sua individualidade, quando suas necessidades são compreendidas e seu potencial é reconhecido. Só assim podemos transformar escolas em ambientes de respeito, diversidade e aprendizado efetivo para todos.
Em outras palavras, incluir não é apenas uma prática educativa: é uma oportunidade de transformar o mundo, garantindo que crianças, adolescentes, jovens e adultos tenham a chance de crescer plenamente, explorar seu potencial e se sentir parte de um mundo que respeita a neurodiversidade.
A importância do trabalho com uma equipe multidisciplinar no processo de ensino-aprendizagem
Promover a inclusão e o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes com transtornos do neurodesenvolvimento exige um olhar coletivo e integrado. Isso significa que o trabalho de uma equipe multidisciplinar é fundamental. Psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos, neuropediatras e educadores, quando atuam em conjunto, podem compreender de maneira mais ampla as necessidades de cada estudante e estabelecer estratégias coerentes com seus perfis, necessidades e potencialidades.
Essa colaboração entre diferentes áreas do conhecimento possibilita intervenções mais precisas, alinhadas e que se complementam. E isso, por sua vez, fortalece tanto o processo de ensino-aprendizagem quanto o bem-estar emocional e social dos alunos. Além disso, o diálogo constante entre escola, profissionais de saúde e família garante um acompanhamento contínuo, respeitoso e humanizado, algo essencial para o desenvolvimento pleno de cada criança e adolescente.
Muito mais que uma soma de saberes, o trabalho multidisciplinar representa a união de olhares comprometidos com o mesmo propósito: oferecer oportunidades reais de aprendizagem, inclusão e crescimento para todos os estudantes.