O cérebro humano e as múltiplas habilidades

Desenvolver habilidades é importante para a escola e para a vida

Oferecer experiências de aprendizagem que beneficiam habilidades e interesses da criança e produzem prazer pode contribuir para o bom desempenho acadêmico e social.

O funcionamento cerebral tem particularidades que estão sendo descobertas a cada dia, e esse conhecimento é constantemente atualizado

Vamos conversar sobre o cérebro. Precisamos entender um pouco mais sobre esse órgão que processa todas as informações do meio ao redor e as (re)organiza constantemente, atribuindo significados diversos às nossas experiências. É assim que interagimos com o ambiente e modificamos as informações que estão sendo processadas.

O funcionamento cerebral tem particularidades que estão sendo descobertas a cada dia, e esse conhecimento é constantemente atualizado. Em geral, a sociedade não consegue acompanhar essas transformações, o que resulta na divulgação de conceitos simplificados, errôneos ou, muitas vezes, restritos. 

Habilidade é o mesmo que inteligência?

Primeiro, precisamos distinguir os conceitos de habilidade e inteligência. Ser mais ou menos capaz de realizar uma atividade não me faz mais ou menos inteligente. Cada um de nós percebe as próprias capacidades ao realizar atividades que envolvem habilidades diversas.

O conceito de inteligência não envolve uma habilidade específica, mas a funcionalidade na integração da ação cerebral. Ele tem a ver com a velocidade e a capacidade de resolver problemas.

Para resolver um problema que envolva qualquer habilidade precisamos considerar aspectos emocionais, raciocínio, planejamento, pensamento abstrato, linguagem e experiências anteriores. Assim, se sou capaz de resolver problemas em um curto intervalo de tempo de forma a atuar de maneira eficaz no ambiente em que vivo, posso me considerar uma pessoa inteligente, independente das habilidades que possuo.

Pesquisas importantes que envolvem a revisão de estudos e o acompanhamento de pessoas ao longo da vida têm demonstrado que, embora os testes de QI (coeficiente de inteligência) se relacionem diretamente com competências escolares e ocupacionais, com o desempenho no trabalho e com o envolvimento social, eles também são importantes para prever a capacidade de tomar decisões para a vida prática que caracterizam o indivíduo como autônomo e competente.

O que é habilidade?

O conceito de habilidade envolve uma capacidade ou um talento natural ou adquirido que possibilita a um indivíduo ter um desempenho específico em um trabalho ou tarefa. Ou seja, posso ter poucas ou várias habilidades, e isso não implica ser mais ou menos inteligente.

Cada habilidade envolve características emocionais e cognitivas que precisam ser planificadas e organizadas para ter uma utilidade prática e ser funcional para um indivíduo.

Não podemos considerar habilidades independentes: nossas habilidades e nosso desempenho cerebral não são resultado de uma única área desse órgão, mas sim resultado da integração entre múltiplas regiões que dependem de estimulações intensas e amplas.

Isso quer dizer que muitas das habilidades envolvidas em uma atividade manual também estão relacionadas a habilidades escolares, do mesmo modo que quando interagimos com bichos ou trabalhamos no jardim também envolvemos habilidades cognitivas que incluem o aprendizado escolar e habilidades interpessoais, como o controle de impulsos, a resolução de problemas, a atenção e a memória operacional, desde que pensemos sobre essa atividade e a planejemos antes de realizá-la.

E meu filho?

Preparar uma criança para a escola e para a vida não envolve treiná-la com relação a questões cognitivas e escolares. Aprendizagens estruturadas que beneficiem habilidades e interesses que já se observam na criança e produzem prazer também podem contribuir para a melhora do desempenho acadêmico e social não só por questões emocionais, mas também cognitivas.

É importante que essas atividades sejam oferecidas à criança e ao adolescente dentro de um contexto estruturado e com objetivos e metas claras tanto para elas quanto para os pais, para que os pequenos possam ir monitorando seu desempenho à medida que alcançam os resultados desejados.

Aliás, esse automonitoramento é fundamental para a estimulação cognitiva e emocional (e, consequentemente, cerebral). A criança precisa perceber que o resultado de seu desempenho é melhor quando ela se esforça no planejamento e no controle emocional e cognitivo. Para o cérebro e para o desenvolvimento, é necessário ter um retorno imediato ao desempenho cognitivo e emocional, e, nesse aspecto, o desenvolvimento de habilidades tende a mostrar resultado mais rapidamente do que os aprendizados acadêmicos.

Sem dúvida, nossas habilidades estão relacionadas com o que preferimos fazer. Não gostamos de realizar atividades para as quais não temos habilidades, e muito menos expor a colegas e pais o que não fazemos bem. Porém, a estimulação dessas habilidades com objetivos e metas claras podem e devem ser apresentadas às crianças de forma lúdica e prazerosa, seja em um contexto específico ou no ambiente educacional. 

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Telma Pantano
Psicopedagoga/ Brasil
Fonoaudióloga e Psicopedagoga do Serviço de Psiquiatria Infantil do Hospital das Clínicas.

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