O futuro da infância e da adolescência: oportunidades e responsabilidades para as escolas

Criar estratégias que contemplem o futuro é vital para antecipar problemas e enxergar novas oportunidades de crescimento para toda a sociedade. 

Texto Fernanda Furia

A infância e a adolescência são períodos de encantamentos, descobertas e desafios. Ao longo da história da humanidade, o olhar sobre as crianças e os adolescentes se transforma constantemente e nos força a atualizar a nossa visão sobre o que continua sendo adequado e o que deve ser reconsiderado em prol do bem-estar e dos direitos das novas gerações. O pesquisador social, Mark McCrindle, descreveu a geração Alpha, nascida entre 2010 e 2025, como a primeira a crescer envolvida com tecnologias inteligentes no cotidiano. 

Assistentes virtuais, brinquedos conectados à internet e robôs companheiros que instigam sentimentos de cuidado e proteção são alguns dos inúmeros exemplos que desenham uma nova infância. Mal começamos a navegar nas águas da Quarta Revolução Industrial e já vemos os sinais da Quinta Revolução vindo ao nosso encontro. Nesta era de transições múltiplas, escutamos tantos termos técnicos que ficamos atordoados com a gama de tecnologias que prometem nos ajudar e nos desafiar ao mesmo tempo. 

A Quarta Revolução Industrial é pautada pela convergência de tecnologias avançadas, pelo avanço da Indústria 4.0 e pela quebra de paradigmas até então inquestionáveis. Segundo Klaus Schwab, do Fórum Econômico Mundial, a Quinta Revolução, por sua vez, já está sendo considerada a era da retomada da confiança nas pessoas, dos valores humanos e da preocupação em salvar o planeta. O tsunami formado pela computação quântica e pela conectividade total gerada pela rede 5G nos forçará a conviver com as máquinas e a redefinir o conceito de ética para resgatar o sentido de “ser humano”. 

Na mesma linha da Quinta Revolução Industrial, o conceito de Sociedade 5.0 criado pelo governo japonês em 2016 propõe uma organização social alimentada por tecnologias altamente avançadas com o objetivo de criar soluções focadas nas necessidades humanas. Para a maior parte das pessoas, esse cenário ainda é bem difícil de ser entendido, por isso precisamos nos informar sobre esse contexto global para entender os seus impactos nas novas gerações.  

O futuro da infância e da adolescência 

A geração Alpha é a primeira geração que está, de fato, crescendo em um ambiente tecnológico capaz de moldar a formação cerebral, social e psicológica das crianças e dos adolescentes de forma inédita na história da humanidade. As tecnologias avançadas, em suas diferentes formas, prometem trazer conforto afetivo para os seres humanos e inauguram um novo fenômeno na cibersociedade: a relação de apego entre as pessoas e as máquinas inteligentes. As pesquisas que investigam os efeitos positivos e negativos desse cenário são ainda bastante contraditórias e oscilam entre perspectivas catastróficas e otimistas. E isso é só o começo. Imaginem em qual cenário a Geração Beta, nascida entre 2025 e 2039, viverá. Para Patrick Dixon, autor do livro The Future of (almost) everything, entraremos cada vez mais na “era da criança preciosa” na qual qualquer coisa que possa ameaçar a saúde ou o bem-estar emocional das crianças será fortemente rejeitada. Isso nos leva a um outro fenômeno que está ganhando força e que deve crescer nas próximas décadas: a coparentalidade entre pais e máquinas. Segundo a empresa Zion Market Research, a indústria baby tech movimentará em torno de US$ 108 bilhões até 2024 e contribuirá para o surgimento de novas formas de parentalidade. Produtos como cintas que envolvem a barriga da mãe e monitoram o batimento cardíaco do bebê, fraldas com sensores que detectam o estado da urina da criança, babá eletrônica com inteligência artificial, tecnologias de monitoramento em tempo real e tatuagens digitais alimentarão uma geração de pais orientados por dados.

Assim como as crianças pequenas, os adolescentes também são largamente influenciados pelos ambientes e pelas tecnologias. Redes sociais e jogos imersivos com realidade virtual e aumentada ganharão força e possibilitarão que os adolescentes se relacionem em diferentes plataformas simultaneamente à procura de aceitação, pertencimento, popularidade e autoexpressão. Um exemplo é o Facebook Horizon, que deve ser lançado em 2020. Experiências como essa terão um grande poder de engajar os adolescentes, uma vez que aumentam a sensação de presença real naquele ambiente virtual. O avanço tecnológico permitirá a criação de novas realidades com diferentes camadas de interação entre a realidade e o ambiente virtual. Além disso, no futuro, as gerações Alpha e Beta precisarão se responsabilizar ativamente por importantes desafios éticos como edição de DNA, vigilância e manipulação constante das pessoas, criação de cérebros biodigitais, entre outros. Por isso, é cada vez mais urgente criarmos leis e protocolos tendo em mente o bem-estar e os direitos das crianças e adolescentes. Richard Graham, psiquiatra da infância e da adolescência no Nightingale Hospital, em Londres, referência mundial na área de dependência tecnológica, acredita que “agora nós somos cyborgs emocionais. Estamos integrando essas tecnologias em nosso funcionamento mental, social e emocional”.

O futuro da infância e da adolescência transcende o ambiente escolar, mas afeta diretamente as estratégias aplicadas ao sistema educacional. Sendo assim, os educadores e as famílias precisam entender esse cenário amplo, pois somente dessa forma poderemos formar crianças e adolescentes com visão de mundo, consciência ética, motivação para agir e desejo genuíno de melhorar a vida das pessoas e do planeta.  

Educação inovadora: formando as novas gerações 

Toda a base da educação já vem sendo questionada em vários países e as inovações em educação não são um tema novo para a maioria dos educadores. Metodologias ativas, diferentes papéis do professor, maior ênfase nas habilidades socioemocionais e uso de tecnologias avançadas em sala de aula refletem como muitas instituições de ensino já estão repensando e reestruturando as suas práticas para se ajustar aos novos tempos. Mais do que nunca as escolas exercem funções múltiplas na nossa sociedade: acolher as crianças cujos pais trabalham, ensinar conteúdos, desenvolver competências, informar os adultos, orientar os alunos sobre questões digitais e ainda ajudar na formação ética das crianças e dos adolescentes. As próximas gerações verão suas diversas habilidades e talentos sendo abraçados por novas profissões, novos formatos de trabalho e por mais de uma atividade profissional ao mesmo tempo. Esta é uma quebra de paradigma importante para a formação dos jovens e, por isso, os projetos de vida direcionados a eles devem considerar tal pluralidade. Um dos sinais interessantes é o aparecimento de cursos universitários flexíveis, nos quais o aluno escolhe assuntos de diferentes áreas de conhecimento para estudar ao longo do curso, formando um mosaico personalizado de ensino. Um exemplo aplicado dessa flexibilização é a universidade cuny, em Nova York, onde os alunos têm à sua disposição uma variedade enorme de disciplinas e podem criar um plano de graduação interdisciplinar sob medida com seus mentores. Parte do papel das escolas e das universidades será inovar com ética e incentivar projetos que estimulem os alunos a refletir de forma crítica sobre a criação, a aplicação e o uso responsável das novas tecnologias. 

Ao mesmo tempo que as escolas tendem a incorporar tecnologias cada vez mais avançadas para apoiar diferentes práticas pedagógicas, será fundamental que elas também resgatem o brincar em diferentes formatos: mais tempo de recreio para todas as idades, mais jogos, mais esportes, mais atividades artísticas, mais vivências fora da escola e mais reflexões sobre o que motiva os alunos. É inquestionável que o brincar melhora a saúde mental, promove a autonomia, trabalha questões éticas, desenvolve inúmeras habilidades socioemocionais e aproxima as pessoas. Mais do que qualquer tecnologia, o futuro da infância e da adolescência depende da segurança emocional, do afeto e da interação entre os seres humanos.

Ao vislumbrar um horizonte tecnológico ainda mais contundente como o da Quinta Revolução Industrial, como as instituições educacionais podem se preparar para receber as gerações que estão por vir? Há algumas décadas foi criado um termo que caracteriza o contexto caótico, turbulento e instável no qual as organizações estão inseridas: o mundo V.U.C.A. O acrônimo em inglês nasceu das teorias sobre liderança estratégica e significa volatilidade (Volatility), incerteza (Uncertainty), complexidade (Complexity) e ambiguidade (Ambiguity). Porém, em 2007, Robert Johansen, do Institute for the Future, lançou um olhar complementar para esse termo e nos trouxe uma visão mais prática para combater os impactos negativos do mundo V.U.C.A apresentado anteriormente. Para ele, o conceito de “V.U.C.A. PRIME” significa visão, compreensão, clareza e agilidade (Vision, Understanding, Clarity e Agility) e serve como um guia para a construção de uma nova forma de pensar e agir. 

Modelo VUCA PRIME para escolas 

Por inspiração do conceito de vuca prime, é possível transpor as ideias de Robert Johansen para o contexto da Educação e desenhar caminhos aplicáveis à infância e à adolescência, considerando algumas responsabilidades e oportunidades para as escolas. Confira a proposta a seguir, baseada no conceito de Johansen e adaptada ao contexto escolar: 

Visão (vision) 

Para lidar com um contexto imprevisível, as escolas precisam refletir com profundidade sobre a sua própria existência daqui para frente e estabelecer uma visão comum sobre os próximos passos. Qual é o propósito de uma criança ir para a escola? Qual será de fato o papel da escola? Baseando-se nessas reflexões, será possível reunir as pessoas necessárias para esse processo de transformação e para traçar os caminhos que pavimentem tais avanços.  

Responsabilidades: envolver toda a comunidade escolar na construção dessa visão, considerando o horizonte futuro e trazendo exemplos práticos e éticos que sirvam de modelo para práticas sustentáveis ao longo do tempo. Fornecer uma visão de diversidade e inclusão para que pessoas de todos os backgrounds sejam contempladas. Ajudar os adultos a desenvolver uma mentalidade global voltada para inovação.

Oportunidades: fomentar discussões e ações para que os alunos identifiquem o propósito da escola e proponham caminhos alinhados ao contexto global e às necessidades locais. 

Entendimento (understanding) 

A capacidade de compreender os fatores externos, sejam eles sociais, políticos, tecnológicos e/ou ambientais, é fundamental para a formação dos educadores. Ser capaz de enxergar simultaneamente o contexto macro e micro se tornará uma habilidade cada vez mais importante. Entender os novos comportamentos e movimentos sociais e econômicos aproxima as diferentes gerações e, principalmente, sustenta a criação de projetos e iniciativas significativos para todos os envolvidos. 

Responsabilidades: promover a capacidade das novas gerações de olhar para determinada situação de forma equilibrada, em que todos os aspectos são considerados de forma sensata e sem radicalismos. Envolver os alunos na missão de colaborar e contribuir para a resolução de problemas globais, especialmente aqueles ligados à infância e à adolescência – base para uma sociedade saudável. Promover letramento digital aliado à inteligência emocional-digital. 

Oportunidades: oferecer formações de professores que vão além da capacitação para o uso de ferramentas educacionais e de metodologias aplicáveis em sala de aula. Desenvolver jogos e atividades lúdicas para ajudar na capacidade de analisar contextos macro e micro, identificar padrões de comportamento na sociedade e refletir eticamente sobre o que nos serve e o que deve ser desconsiderado.

Clareza (clarity) 

Em tempos complexos, ter clareza passa a ser um superpoder. Simplificar o pensamento e agir de forma prática e transparente, considerando ao mesmo tempo a profundidade das situações, é um desafio que precisaremos enfrentar. 

Responsabilidades: a falta de clareza de pensamento e de visão está muito ligada ao excesso de sofrimento e às consequências geradas por diversos transtornos emocionais. Fazer parcerias com iniciativas voltadas para a saúde mental dos alunos e da equipe educacional, além de criar uma sólida rede de apoio, passa a ser uma responsabilidade também das escolas. 

Oportunidades: estimular as crianças e os adolescentes a exercitar práticas que acessem a intuição e a criatividade por meio de meditação, mindfulness, contato com a natureza e processos variados de autoconhecimento. 

Agilidade (agility) 

Diante das inúmeras mudanças no mundo, as escolas precisarão ser capazes de se transformar constantemente para responder de forma mais rápida, se comunicar melhor e antecipar cenários. 

Responsabilidades: compromisso com a atualização constante da visão, propósito e clareza de objetivos. Reflexão, adaptação, colaboração e ação serão palavras-chave daqui para frente.

Oportunidades: integrar conhecimentos de diferentes áreas para aumentar a capacidade de transitar em contextos divergentes e de se adaptar às diversas realidades com mais eficiência. Promover agilidade emocional e fomentar inteligência emocional-digital. A crescente complexidade da evolução tecnológica afetará as relações humanas de forma nunca antes experimentada pela humanidade. Por essa razão, será necessária uma rede cada vez mais forte, integrada e colaborativa entre as pessoas e os sistemas para criar estruturas saudáveis sobre as quais as crianças e os adolescentes se desenvolverão. O futuro da infância e da adolescência é responsabilidade de todos nós. 

Fernanda Furia 

é mestre em Psicologia de crianças e adolescentes pela University College London, na Inglaterra. Fundadora do Playground da Inovação – consultoria de Inovação em Psicologia e Educação. Professora de Psicologia da Inovação na FIAP (SP) e do curso de pós-graduação Formação Integral, no Instituto Singularidades (SP). Foi professora assistente na The American School, em Londres. Foi mentora do Social Good Brasil, organização de tecnologia para transformação digital. Membro da The British Psychological Society da Inglaterra. Especialista em Psicoterapia de crianças e adolescentes pelo Instituto Fernandes Figueira (Fiocruz/RJ). Pós-graduada em Atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica pela PUC-RJ. Psicóloga pela PUC-RJ. Mais de 25 anos de experiência no universo relacionado à infância e à adolescência. 

Para saber mais 

  • DAVID, S. Agilidade emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo: Pensamento Cultrix, 2018.
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  • DIXON, P. The Future of (Almost) Everything. Londres:Profile Books, 2015.
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  • FURIA, F. Inteligência emocional-digital: o que é e como desenvolvê-la? In Revista Educatrix 13, Moderna, 2017. p. 26-29. Disponível em www.moderna.com.br/educatrix. 
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  • FURIA, F.; BALDESSAR, M. J. Crescendo com as máquinas inteligentes: as crianças e as novas formas de socialização na cibersociedade. Anais da II Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação, 2017.
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  • SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2018. 

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