Ajudar as crianças a enfrentar e tolerar as frustrações

As crianças devem aprender que nem sempre conseguem o que desejam

Uma das habilidades mais importantes que se deve desenvolver logo na infância é a tolerância à frustração, de forma que a criança possa enfrentar os altos e baixos da vida de maneira saudável.

Os pais devem ser um modelo de conduta para os filhos, destacando o papel dos pensamentos e dos estilos de criação no desenvolvimento de uma alta tolerância à frustração.

As frustrações podem ser definidas como a “resposta natural, primária e afetiva diante da percepção de uma barreira”. Podemos dizer que nos frustramos quando consideramos que nossos objetivos ou metas não foram alcançados ou quando percebemos diferenças entre nossas expectativas e a realidade.

Isto é especialmente comum nas crianças, porque elas ainda não desenvolveram as capacidades neurológicas que permitem o controle dos impulsos e as aptidões cognitivas que favorecem o pensamento racional. Por isso querem “tudo agora”, e, quando não o conseguem, se frustram e se irritam.

As crianças esperam que tudo ocorra de maneira simples e como foi planejado. Assim, quando enfrentam frustrações, reagem de modo exacerbado, sem mecanismos eficazes para lidar com os problemas, por mais simples que sejam.

Na vida cotidiana, é comum enfrentarmos frustrações, e as pessoas com alta tolerância à frustração são capazes de manter a funcionalidade nas diferentes atividades que realizam, sem que esses fracassos as paralisem ou prejudiquem a longo prazo. Entretanto, quando temos pouca ou nenhuma tolerância à frustração é comum que se evidenciem reações somáticas e cognitivas negativas, que interferem na capacidade de resolver problemas e de se relacionar com os outros.

Agressividade, perfeccionismo, adiamento da tomada de decisão, ansiedade, problemas de conduta e controle de impulsos são alguns sintomas comuns da baixa tolerância à frustração. Daí a importância de desenvolver uma alta tolerância à frustração desde cedo, pois isso pode prevenir transtornos psicológicos e de conduta no futuro.

Como a tolerância à frustração é um fenômeno complexo, são muitos os fatores que intervêm em seu desenvolvimento. Entre eles:

  • • Temperamento. Predisposição para enfrentar e lidar melhor ou pior com as adversidades. Algumas pessoas são biologicamente mais vulneráveis à irritabilidade e à ansiedade, o que pode interferir na forma como enfrentam e lidam com adversidades.
  • • Condicionamento social. A tendência da sociedade atual é medir o valor das pessoas pelo desempenho e pela obtenção de conquistas, em vez de apreciar o esforço e a dignidade humana. Consequentemente, toda pequena frustração é vista como um “fracasso total” e, assim, “algo mau” e “grave” que deve ser evitado.
  • • Habilidades linguísticas para expressão emocional. A pobreza de vocabulário pode limitar a capacidade de expressar de maneira assertiva as emoções, desejos e descontentamentos, aumentando as dificuldades nas relações interpessoais e a capacidade para resolver problemas. Isto é especialmente relevante em certos ambientes socioculturais que restringem a expressão de emoções, por ser considerado algo impróprio ou sinal de fraqueza.
  • • Imitação de modelos de referência. Os estilos de criação em que os pais têm baixa tolerância à frustração favorece o aprendizado de condutas de enfrentamento pouco eficazes, por meio da imitação.

Alguns dos sinais que podem indicar que as crianças enfrentam mal a frustração são: evitar ou adiar tarefas complexas, fugir de responsabilidades, fazer birra ou ter ataques de raiva, justificar-se pelos erros cometidos, timidez, retraimento e fuga de situações de exposição social, impaciência e até agressão física, especialmente quando algo é percebido como “injusto”.

Entretanto, é alentador saber que a tolerância à frustração pode ser aprendida e treinada a partir do momento que a criança adquire vocabulário e é capaz de seguir ordens e instruções (por volta dos 3 anos é o momento ideal para iniciar o desenvolvimento da tolerância à frustração). Esse treino permitirá que, diante de situações adversas, ela conte com melhores estratégias de enfrentamento.

Um dos melhores treinos é a imitação, ou seja, os pais devem ser “um modelo de conduta” para os filhos, destacando o papel dos pensamentos e dos estilos de criação no desenvolvimento de uma alta tolerância à frustração.

Mudar a linguagem negativa e derrotista, e promover a superação. É comum que as pessoas com baixa tolerância à frustração tenham pensamentos do tipo: “não aguento que…, “é insuportável…”, “não vou conseguir” ou “é muito difícil… prefiro desistir” – mensagens que costumam fomentar condutas derrotistas e de negação.

Recomenda-se falar ou pensar de maneira mais positiva, com declarações como “posso aguentar ou suportar que… embora seja difícil e me incomode”. Pesquisas demonstram que as crianças mais propensas à frustração costumam vir de famílias que usam o mesmo esquema de pensamento. É importante modificar os próprios pensamentos em prol da saúde mental de pais e filhos porque, observando os pais, a criança aprende como lidar com as próprias frustrações e conflitos futuros.

Favorecer e elogiar as condutas de enfrentamento quando a criança tiver tentado, mesmo que não obtenha o sucesso pretendido na tarefa.

Evitar ser o “pai permissivo”. Os pais permissivos pensam que é melhor “ceder do que brigar” e que “todo tipo de castigo é ruim”. Como consequência, costumam ter problemas para estabelecer limites quando a situação requer firmeza e decisão. Esses pais têm um estilo de liderança pouco eficaz, com ausência de regras claras e consequências pouco eficazes diante de mau comportamento, deixando que as crianças decidam o que fazer. Podem ser não confrontadores por temerem perder o carinho dos filhos.

Pesquisas demonstram que as crianças que crescem em lares permissivos costumam ter problemas de comportamento no futuro, mais imaturidade, baixa responsabilidade sobre os seus atos e tendência ao descontrole emocional. De fato, para alcançar o bem-estar integral, as crianças requerem uma estrutura de limites e consequências bem estabelecida em caso de mau comportamento.

Evitar ser o “pai salvador”. Muitos pais superprotetores consideram que devem evitar todo tipo de desconfortos a seus filhos. Alguns exemplos: pais são que deixam que os filhos faltem à escola em dia de prova porque não estudaram o suficiente, ou até que mudem de colégio quando dizem que a professora “foi má” ou “tem implicância” com eles. Esses pais farão o que puderem para que seus filhos sejam bem-sucedidos, sem perceber que aprender autonomia e responsabilidade pelas próprias ações é um dos segredos do sucesso. Para o próprio bem-estar futuro da criança, é importante que, quando for apropriado e benéfico, se adie a gratificação e se promova pequenas frustrações. Além disso, convém evitar os sentimentos de culpa ou vergonha por não ser “o pai perfeito que resolve todos os problemas”. O importante é saber que não existem pais perfeitos, nem filhos perfeitos, e que a melhor forma de facilitar um bom desenvolvimento integral é aprender a controlar os próprios pensamentos e emoções, para ajudar a criança fazer o mesmo.

Ser um pai “amável, mas firme”. O estilo ideal de criação é aquele em que os educadores podem ser amáveis e carinhosos, sem perder firmeza. Isso requer saber dizer “não”, para que a criança aprenda que nem sempre terá tudo o que deseja de imediato, nem simplesmente porque o exija, feito que será de vital importância em sua vida adulta. Por exemplo, quando um pai “amável, mas firme” considera que o seu filho comeu chocolate suficiente, diz com voz firme e tranquila: “Você não vai mais comer chocolate. Pode te fazer mal e já comeu bastante.” Se o filho reagir com irritação ou mal-estar, continua: “Entendo que você tenha ficado chateado e se irrite” (validando a emoção negativa). Quando finalmente a criança se acalmar, a felicita por isso, mas sem abordá-la quando estiver e meio de sua birra. Deve-se explicar aos filhos que é obrigação dos pais cuidar deles e que isso, muitas vezes, requer dizer “não”, mesmo quando se irritam e não entendam o benefício da frustração.

Em síntese, algumas das estratégias para fomentar nas crianças o desenvolvimento de alta tolerância à frustração são:

  • Demonstrações de afeto, amabilidade e respeito.
  • Elogios pela boa conduta, especialmente quando implique enfrentamento de situações difíceis.
  • Estrutura de limites e regras claras em relação a bons e maus comportamentos.
  • Consequências bem estabelecidas (e cumpridas de forma consistente) quando as regras de bom comportamento não são respeitadas.
  • Ajuda na resolução de problemas, sem eliminar a responsabilidade e a autonomia da criança diante do desafio em questão.
  • Validação de suas emoções, mesmo quando forem negativas, indicando que é “normal” sentir um mal-estar quando as coisas não saem como foram planejadas.
  • Identificação dos pensamentos derrotistas, para trocá-los por outros de enfrentamento e tolerância à frustração (tanto nos pais como nos filhos).
  • Imitação de bons exemplos na família quanto à administração das frustrações.
  • Aceitação incondicional, apesar dos fracassos, para favorecer a autoconfiança e a responsabilidade diante dos erros e do mau comportamento. 

Clark, L.. SOS Ayuda para Padres. Bowling Green: SOS Programs and Parents Press (2003).

Knaus, W. J.. Frustration Tolerance Training for Children. In: Ellis, A., & Bernard, M.E. (editores): Rational Emotive Behavioral Approaches to Childhood Disorders. Theory, Practice and Research. New York: Springer (2006).

Vernon, A.. What Works When with Children and AdolescentsChampaign: Research Press (2002). 

María Celeste Airaldi
Psicóloga/ Paraguay
Psicóloga, professora de graduação e de pós-graduação.

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