Percursos possíveis para trabalhar habilidades e competências exigidas na Base em todos os componentes curriculares.
Texto Educatrix
Conectar as diversas habilidades para desenvolver competências é a base da escola do século XXI. A Base Nacional Comum Curricular que o diga. A proposta de reestruturação das disciplinas como componentes curriculares dentro das áreas do conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza) por si só já demonstra o foco do documento em desenvolver, a partir da consolidação das competências específicas de cada área, atitudes que colaboram com a formação integral do aluno.
Apesar de ser algo bastante atraente na teoria, ainda há uma série de dúvidas sobre como estimular as competências no dia a dia em sala de aula. Por isso, convidamos autores de materiais didáticos e especialistas de cada componente curricular das quatro áreas do conhecimento para sugerir como planejar aulas, projetos e reflexões focados na autonomia e no protagonismo das novas gerações. Qual, de fato, é o papel das escolas dentro desse ecossistema vivo que transcende o projeto escolar e forma cidadãos globais?
A BNCC e a língua portuguesa
Um aprendizado baseado nas múltiplas práticas de linguagem.
Texto Moderna
a proposta da bncc para o ensino de Língua Portuguesa não é essencialmente inovadora, pois complementa o que já era proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. O componente é abordado sob a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, cuja adoção implica a compreensão de que um texto não é apenas um conjunto de frases ou de parágrafos organizados para produzir sentido, mas a materialização de determinado uso da língua que ocorre em um contexto social e histórico e sob circunstâncias específicas.
Uma placa com a frase “Silêncio!” em uma parede de hospital, por exemplo, deve ser, sob essa perspectiva, analisada como um discurso, ou seja, como a expressão de uma ordem, produzida com a intenção de orientar o comportamento das pessoas para manter o cuidado com os pacientes. Na bncc, o texto (oral, escrito, multimodal/multissemiótico) torna-se o centro das atividades, implicando um trabalho com a língua não apenas como um código a ser decifrado nem como um mero sistema de regras gramaticais, mas como forma de manifestação da linguagem. A finalidade é fazer com que o ensino de Língua Portuguesa permita o desenvolvimento crítico e reflexivo do aluno como agente da linguagem, capaz de usar a língua e as linguagens em diversificadas atividades humanas.
Com esse objetivo, a bncc propõe práticas de linguagem de diferentes esferas ou campos de atuação: vida cotidiana e pública, artístico-literário, práticas de estudo e pesquisa jornalístico-midiático etc. Tais práticas devem ser norteadas a partir de quatro eixos organizadores:
01 – Oralidade Propõe a produção de textos orais, considerando as diferenças entre língua falada e escrita e as formas específicas de composição do discurso oral, em situações formais ou informais.
02 – Leitura O foco está na interação ativa entre leitor/ouvinte/espectador com textos escritos, orais ou multissemióticos de diferentes campos. Para aprimorar a compreensão leitora, o professor pode propor diversificadas experiências de ler, ouvir, comentar textos escritos etc. Essas experiências devem incluir a reflexão sobre quem escreveu, para quem, sobre o quê, com que finalidade, em qual tempo e espaço, como o texto circulou etc.
03 – Produção de textos Propõe o engajamento dos alunos em situações reais de produção de textos verbais, não verbais, multimodais/multissemióticos, considerando o uso das linguagens adequado ao contexto de produção, recepção e circulação. Essas oportunidades de produção devem ser uma atividade sociointeracional, produzida a partir do diálogo, seja com um sujeito, seja com outro texto. Esse processo não deve ser uma tarefa burocrática, pois deve ser construído como uma atividade em que os alunos se envolvem com as práticas sociais da linguagem, por meio de planejamento, revisão, reescrita e edição de textos.
04 – Análise linguística / semiótica As habilidades desenvolvidas vinculam-se às práticas propostas nos eixos anteriores. Mantém-se o caminho do uso-reflexão-uso que visa a refletir sobre as possibilidades de uso permitidas pelo sistema da língua, oral ou escrita, e das múltiplas linguagens, e a ser capaz de aplicar o recurso mais adequado ao contexto em que está inserido. Propõe-se um trabalho que leve as crianças à reflexão sobre as diferentes materialidades, responsáveis pelos efeitos de sentido em textos oriundos de diferentes campos de atuação.
A bncc certamente ainda passará por algumas revisões. Afinal, não seria razoável supor que um documento desse porte nascesse pronto e perfeito. A prática em sala de aula certamente será importante fonte de contribuição para tais revisões.
Os desafios para o ensino da língua inglesa
Um exercício de empatia com foco na educação global e para a paz.
Texto Eduardo Amos
montserrat moreno nos ensina que mais difícil do que adquirir novos conhecimentos é conseguir desprender-se dos velhos. A chegada da Base Nacional Comum Curricular (bncc) pode confirmar esse ensinamento, pois significa o início de um dos mais profundos processos de renovação da educação nacional. De maneira geral, muitos professores estão dispostos a encarar os princípios propostos como uma possibilidade de minimizar certas condições que enfrentam atualmente e que são marcadas por indisciplina, violência e desvalorização do aprendizado bem como do próprio professor.
Em uma perspectiva geral, a Base reconhece que a “educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (BNCC, p.8). Nesse sentido, a prática pedagógica tradicional baseada em muitos exercícios gramaticais mecânicos e repetitivos até conseguem produzir um resultado bom em termos de nota, mas jamais irá preparar o aluno para enfrentar os desafios da vida atual. Isso porque a educação tradicional está baseada em modelos do passado que atendem a demandas do passado. Hoje, o mundo e as relações humanas estão muito mais complexos e desafiadores, exigindo o desenvolvimento das competências socioemocionais, uma vez que, por meio desse processo se aprende a reconhecer, nomear e controlar emoções, demonstrar empatia, estabelecer relações sociais pautadas pela civilidade, se colocar no lugar do outro e tomar decisões de maneira responsável.
Soma-se a isso a farta documentação acerca do caráter violento do ambiente escolar, o que exige estratégias e abordagens que trabalhem questões como a resolução não violenta de conflitos, o acolhimento às diferenças, o saber conviver.
Diante desse cenário, dentre as dez competências gerais que devem permear transversalmente as disciplinas, chamamos a atenção para a de número 9, que propõe: “Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.” (bncc, p. 10).
Essa competência traz para a prática educacional questões altamente relevantes ligadas à Educação para a Paz. E, nessa perspectiva, os esforços pedagógicos para cultivar essas atitudes trarão benefícios à toda comunidade escolar. No entanto, a implementação da BNCC não pode estar apenas nas mãos dos professores. Esse processo deverá ser o resultado do esforço coletivo ou simplesmente nada acontecerá. E nossos jovens têm pressa. Ao contrário do que possamos imaginar, para eles, o futuro já começou. Para eles, o futuro é hoje!
Eduardo Amos
é autor de livros didáticos e paradidáticos há mais de 38 anos. Sua obra Students for Peace recebeu o prêmio ELTons 2017, concedido pelo Conselho Britânico em Londres na categoria Excelência em Inovação em Livros Didáticos para o Ensino de Língua Inglesa. É membro do GEEPAZ – Grupo de Estudos de Educação para Paz e Tolerância do Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação da UNICAMP. Nos últimos anos tem trabalhado também na área de consultoria para instituições escolares na área de Educação para a Paz.
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Em meio aos incontáveis desafios enfrentados pelos educadores brasileiros, a educação está mudando e exige novas adequações. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta as aprendizagens que devem ser garantidas a todo estudante da Educação Básica, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O documento tem o intuito de nortear o currículo das escolas públicas e privadas do Brasil e determina, para cada etapa escolar, conhecimentos essenciais, competências, habilidades e objetivos de aprendizagem. Em sua essência, a BNCC visa ao preparo e ao desenvolvimento dos estudantes para a vivência, a convivência e a participação plena na sociedade.
Algumas competências gerais previstas pela BNCC abordam a relação dos alunos com o mundo do trabalho, a resolução de problemas e o uso de tecnologias como meio de resolvê-los. A Matemática ganha, então, espaço nas discussões e reflexões docentes, considerando-se sua relevância para o desenvolvimento dessas competências.
Há um longo caminho para atingir o objetivo maior de formar cidadãos críticos, atuantes e colaborativos, capazes de enfrentar os desafios do século 21. Esse caminho requer a adequação dos currículos, a formação inicial e contínua dos professores, a adequação, elaboração e o desenvolvimento de materiais didáticos e a criação de soluções educacionais eficientes. Essas propostas já contam com estudos recentes da área da Neurociência, como os trabalhos desenvolvidos por Jo Boaler ou David Dockterman. A aplicação das ideias desenvolvidas nesses estudos pode representar o início do processo para minimizar as desigualdades na Educação Matemática, que levam a um baixo desempenho nos exames nacionais e internacionais.
Alguns números da educação brasileira
Há algum tempo, observamos o fraco desempenho dos estudantes brasileiros em avaliações de larga escala, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Os resultados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com base na última edição do Pisa, de 2015, mostram estagnação no desempenho em Leitura e Ciências e queda no desempenho em Matemática. Se compararmos nosso resultado com o dos países-membros da OCDE, percebemos o quanto estamos atrasados e o grande desafio que temos pela frente. Em Leitura, a média desses países foi de 493 pontos, enquanto a média do Brasil foi de 407 pontos. Em Ciências, obtivemos 401 pontos contra 493 dos outros países. Em Matemática, que teve a primeira queda desde 2003, os estudantes brasileiros obtiveram 377 pontos, um resultado bem abaixo dos 490 pontos obtidos pelos países-membros da OCDE. Dos 72 participantes avaliados, o Brasil ficou na 65ª posição.
De acordo com a OCDE, o nível 2 de proficiência é considerado o mínimo adequado para a plena participação na vida social, econômica e civil. O cenário nacional é, portanto, trágico, já que 70,3% dos estudantes brasileiros estão abaixo desse indicador.
Diante desses resultados, fica evidente a necessidade de investir em mudanças. Como educadores, é preciso refletir sobre o nosso papel docente e participar ativamente das discussões sobre a reforma do ensino brasileiro em todas as esferas, revendo a infraestrutura, a adequação do currículo à realidade e às necessidades dos alunos e a importância da formação profissional contínua.
A matemática e a busca de novos caminhos
Grande parte das escolas brasileiras ainda ensina matemática de forma segmentada e conteudista, carente de formação específica de professores e vulnerável à inconsistência do sistema educacional. Essa prática influencia diretamente os resultados abaixo da média nas avaliações de larga escala. Ao refletir sobre os resultados do Pisa, o físico e estatístico alemão Andreas Schleicher, coordenador desse sistema de avaliação, disse que “conteúdo em excesso é sinônimo de aprendizado superficial”. Ele analisou o currículo de Matemática de diferentes países e concluiu que o currículo brasileiro contém o triplo de conteúdo do currículo de Singapura, país que está no topo nos índices de desempenho. Schleicher falou sobre a importância de “ater-se aos conceitos essenciais e às ferramentas que permitem ao aluno raciocinar melhor”.
Em Os sete saberes necessários à educação do futuro, o filósofo francês Edgar Morin afirma que “ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria delas contém erros e ilusões, mesmo quando pensamos há vinte anos atrás e constatamos como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução”. Nesse sentido, o olhar crítico e reflexivo sobre as práticas didático-metodológicas brasileiras talvez seja uma estratégia mais adequada para nos manter abertos a outras linhas de pensamento e a abordagens capazes de enriquecer nosso repertório, ampliar nossa visão e possibilitar mudanças eficazes.
Diversos caminhos podem ser trilhados para atender às necessidades da educação nos dias de hoje:



