Especial Metodologias ativas | O fim do aluno nota 10

Especial Metodologias ativas | O fim do aluno nota 10

Novos modelos de avaliação em projetos com metodologias ativas 

Novas profissões estão emergindo dia após dia com as transformações da sociedade e o avanço das tecnologias. Como a escola pode colaborar para a formação de alunos capazes de desenvolver habilidades e competências durante toda a vida?

A urgente necessidade de realizar profundas transformações nas metodologias de ensino para promover oportunidades de aprendizagem significativa que permitam desenvolver as competências para o século XXI traz o desafio inexorável de reveros ultrapassados processos de avaliação dos alunos, que ainda são julgados muito mais pelo conhecimento teórico adquirido nos bancos escolares do que por suas habilidades socioemocionais e a capacidade de aplicar seus saberes na prática.

Nos próximos 10 ou 15 anos, quando nossas crianças e jovens estarão ingressando no mercado de trabalho, o mundo corporativo será completamente diferente do que conhecemos até hoje como fruto da revolução industrial. A economia criativa irá demandar (e já está valorizando) profissionais que sejam inovadores, visionários e, acima de tudo, empreendedores; sempre prontos a enfrentar desafios e solucionar problemas.

Se nas últimas décadas o sucesso na carreira esteve atrelado à capacidade de aprender uma profissão em determinada área (humanas, exatas ou biológicas), as novas gerações precisarão, cada vez mais, aprender a aprender, ou seja, terão que ser multicomponentes e estudar por toda vida.

A automação de funções repetitivas com o avanço da inteligência artificial levará ao desaparecimento de profissões milenares, que serão assumidas por robôs, e ao surgimento de profissões do futuro que sequer somos capazes de imaginar, fazendo com que os momentos de aprendizagem sejam permanentes e por toda a vida.

Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.

Para ser competitivo, o profissional deste novo mundo precisará acompanhar continuamente a próxima invenção, a próxima tendência, o próximo mercado a eclodir. Está saindo de cena o profissional tecnicista e subindo ao palco o profissional criativo, aberto ao risco e à inovação, capaz de pensar o tempo todo ‘fora da caixa’.

Será que as políticas pedagógicas atuais estão alinhadas aos desafios desta nova sociedade digital, conectada, veloz e sedenta por enterrar antigos modelos corporativos para dar lugar a empresas com gestão horizontal, estruturas organizacionais flexíveis e, acreditem, dispostas a reconhecer o erro como combustível para a inovação?

Caros educadores, cabe a reflexão

Os modelos pedagógicos de nossas escolas ainda são muito mais direcionados ao ensino teórico para passar no funil do vestibular, obrigando os alunos a decorar fórmulas matemáticas, afluentes de rios ou a morfologia dos insetos para ter depois seus conhecimentos testados e avaliados por notas que não diferenciam as vocações ou interesses individuais.

É uma avaliação cruel, que prioriza a inteligência da decoreba ao invés da inteligência criativa.

Se quisermos realmente formar nossos alunos para a economia do século XXI, movida pelas novas tecnologias e a revolução nas relações de trabalho, precisaremos dar espaço a uma cultura maker, ao ‘fazer para aprender’, desenvolvendo e implementando metodologias ativas de ensino que tirem os alunos da zona de conforto da sala de aula e os desafie a desenvolver projetos multidisciplinares, capazes de causar impacto real e efetivo na comunidade em que vivem e, assim, trazerem significado ao aprendizado.

Faça uma experiência. Dê um brinquedo novo para uma criança e observe sua reação. Ela vai brincar, desmontar, remontar e investigar o brinquedo, não é mesmo? Este impulso de querer desvendar o desconhecido, descobrir o mundo, perguntar os porquês de tudo é próprio da natureza das crianças. Elas têm um potencial criativo pronto a ser estimulado. Mas, ao invés de priorizar um aprendizado prático, a escola como está estruturada hoje, apresenta uma tonelada de teorias que terão pouca aplicação na vida pessoal ou profissional do aluno. Sem motivação, os jovens entram em um looping de conteúdos pensados para atender uma geração que buscava ter ‘empregabilidade’, mas que agora precisará ter ‘trabalhabilidade’.

Os profissionais que começarão suas carreiras nas próximas décadas não passarão longos anos no mesmo emprego. Ao invés disso, precisarão reunir competências para trabalhar em diferentes projetos que tragam reconhecimento e realização, que sejam éticos e sustentáveis, que ajudem a mudar o mundo para melhor.

Neste futuro, o fim das salas de aula como conhecemos, com um professor trabalhando o mesmo conteúdo com as mesmas estratégias para todos os alunos, será inevitável. Ao adotarem novos formatos de ensino e inserirem novas tecnologias como ferramentas pedagógicas, as escolas também irão rever seus processos de avaliação.

Outros critérios deverão ser incorporados. Mais do que simplesmente ser avaliado se estudou para a prova (e esquecer tudo assim que entregá-la ao professor), o aluno será testado por sua força criativa e inovadora, sua capacidade de liderança, de resolver problemas e trabalhar em equipe, de se relacionar, de ter autonomia e proatividade, de aprender com os erros e dominar o uso das novas tecnologias, entre outros parâmetros.

Nesta nova escola, a avaliação deixa de ter um papel de julgar e expor o nível de conhecimento de um aluno para ser vista como a valorização e a validação do aprendizado. Não caberá mais exaltar o aluno que tirou boa nota e crucificar o aluno que foi mal na prova. A avaliação deve ser não o fim, mas uma parte intrínseca ao processo de construção do conhecimento.

Na economia criativa e na cultura da inovação o erro é reconhecido como a melhor forma de aprender. E, da mesma forma, a escola precisa incorporar o feedback contínuo ao aluno com critérios muito além dos técnicos avaliados na prova bimestral e na prova final. O professor passa a ser um mediador do aprendizado, fazendo um diagnóstico mais amplo das habilidades e conhecimentos do aluno. Não basta saber; é preciso fazer.

Em processos que envolvem metodologias ativas, tais como aprendizagem baseada em projetos, três fatores são essenciais para alcançar resultados significativos: a curiosidade, o interesse pela pesquisa e ter uma postura cooperativa. O conteúdo não deve seguir a velha cartilha. O caminho para o aprendizado significativo está em incentivar o aluno a ser questionador, a buscar respostas para problemas identificados por ele mesmo e a atuar como um time com seus colegas.

Com fácil acesso a um oceano infinito de conteúdos disponíveis na nuvem e tendo à disposição ferramentas tecnológicas que propiciam a interação e participação ativa, estudar deixa de seguir um roteiro unidirecional (professor – livros – aluno) para ser impulsionado por um aprendizado colaborativo pautado pelo desejo de aprender, refletir, perguntar, analisar, confrontar, revisitar e descobrir.

A adoção de modelos pedagógicos ativos para que o aluno vivencie na prática o dia a dia profissional e aprenda a enfrentar desafios, trabalhar em equipe e sob pressão, administrar o tempo e fazer sua autoavaliação, entre outras competências, torna a avaliação muito mais complexa do que simplesmente checar o gabarito. Exige, de fato, uma visão mais holística sobre o aluno.

No Instituto Crescer desenvolvemos, por exemplo, a metodologia ativa Tecendo Redes que segue o pressuposto teórico da pedagogia construtivista para implementação de projetos de aprendizagem. Neste modelo, o aluno parte da curiosidade e das indagações para iniciar um processo investigativo de problemas reais que atingem sua vida e, com a mediação do professor (e não como única fonte de conhecimento), conquistar maior autonomia nos seus estudos. Ao término do projeto, o estudante compartilha o que aprendeu com a comunidade escolar ou outras pessoas pela internet.

Nesta metodologia, analisamos critérios que serão levados em conta quando os alunos de hoje chegarem ao mercado de trabalho. Processo similar pode ser organizado para avaliar outras metodologias ativas implementadas em processos de ensino e aprendizagem na sua escola. Relaciono abaixo 10 passos que podem ser úteis na transformação do processo de avaliação formativa de seus alunos, fazendo com que ela seja parte integrante de um processo de aprendizagem significativa e esteja alinhada com o desenvolvimento de competências para o século XXI:

01 – Compartilhe o processo avaliativo deixando claro para os alunos o que será analisado antes de dar início ao processo.

02- Organize uma rubrica com critérios qualitativos e quantitativos de avaliação, como: organização, interação e trabalho da equipe, qualidade da pesquisa e da apresentação do projeto, administração do tempo, clareza na apresentação oral, complexidade no uso de tecnologias digitais, inovação e criatividade.

03 – Conhecimentos prévios. No início do projeto, peça aos alunos que registrem o que já sabem sobre o tema e o que mais gostariam de saber.

04 – Dedique um tempo para uma autoavaliação. No final do projeto, com a rubrica em mãos, os alunos deverão analisar seus pontos fortes e o que devem melhorar para futuros projetos.

05 – Organize uma roda de conversa e faça perguntas esclarecedoras. Auxilie no entendimento do contexto e de como o processo foi vivenciado pela equipe. Quem participou? Quanto tempo levou para definirem o tema? Como se organizaram?Quais ferramentas tecnológicas utilizaram?

06 – Utilize paráfrases que ajudem a equipe a confirmar o entendimento sobre a avaliação que fizeram: quer dizer que…?, pelo que entendi…?, foi isso mesmo? — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

07 – Faça perguntas de sondagem que levem os alunos a tirar suas próprias conclusões sobre o que vivenciaram. O que poderia ser feito para administrar melhor o tempo? Como vocês poderiam utilizar melhor os recursos tecnológicos?

08 – Repasse o resultado da avaliação com cada equipe. Encerre a roda de conversa olhando os resultados apresentados na rubrica e confirmando entendimento. 

09 – Estimule a autoavaliação dos integrantes da equipe. O que você leva deste projeto? O que você já sabia? O que foi desafiador? O que gostaria de sugerir ao professor e para equipe?.

10 – Compare os conhecimentos. Peça às equipes uma lista comparativa dos conhecimentos adquiridos após o processo de pesquisa com os conhecimentos prévios. — De acordo com a Lei 9.610/98 é proibida a reprodução total ou parcial desta website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.

A estratégia apresentada acima para promover a avaliação em processos de metodologias ativas ajuda a verificar o avanço dos alunos em relação ao desenvolvimento de suas competências para o século XXI. Dentre elas, podemos mencionar a busca de informações na internet, a leitura e produção de diferentes tipos de texto, o uso de tecnologias digitais, o trabalho em equipe, a administração do tempo, a autoavaliação, etc.

Já para avaliar os resultados de aprendizagem referente ao currículo, sugerimos que os alunos dediquem um tempo para registrar, individualmente, o que agora sabem sobre o tema investigado. O resultado deverá ser comparado aos conhecimentos que eles tinham sobre o tema no início do projeto, quando fizeram uma lista do que já sabiam e suas principais curiosidades. Provavelmente, você se surpreenderá ao ver o quanto eles avançaram e confirmará a efetividade do trabalho com metodologias ativas, não só para desenvolver competências, foco da educação contemporânea, mas também para aprender coisas novas. Traços de felicidade, satisfação, engajamento, iniciativa e criatividade serão constantes, o que se configura em momentos reais de aprendizagem significativa que ficam marcados para toda a vida. Crie coragem! Ouse e experimente esta nova dinâmica nas suas próximas aulas! 

Luciana Allan 

Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação.

Para saber mais

Instituto Crescer www.institutocrescer.org.br 

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Luciana Allan

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8 passos para contar histórias e engajar a turma

8 passos para contar histórias e engajar a turma

Como o ato de contar histórias pode transformar a sua sala de aula em um espaço colaborativo e criativo com grandes resultados de aprendizagem. 

Ilustração Ricardo Davino 

Era uma vez, uma história. Quem não se encanta por elas? Histórias são parte de nossas vidas e se manifestam em diferentes formatos: nos registros produzidos em paredes de cavernas – a chamada arte rupestre –, nas histórias de ninar, nos contos de fadas, na literatura, nas fábulas, nas novelas, nos filmes e nos seriados. As histórias estão também na conversa, no diálogo entre amigos que contam um ocorrido, num álbum de família, numa propaganda, nos arquivos pessoais de um grande gênio da humanidade ou de um indivíduo comum. Já deu para entender que storytelling tem tudo a ver com histórias, né? Mas quando falamos sobre utilizar essa técnica na educação, não estamos tratando apenas de fazer a leitura de um livro e mostrar suas ilustrações aos estudantes. Storytelling vai muito além. Vamos descobrir?

Descobrindo um novo mundo 

Storytelling trata de contar histórias, aliás, mais que isso: trata-se de contar boas histórias. Essa técnica – já utilizada pelas mídias e pelo entretenimento por meio do cinema e da publicidade, por exemplo – pode ser aproveitada também no âmbito educacional pelos professores. Vamos pensar juntos: Qual é o objetivo de uma propaganda de televisão? Entre tantas outras propagandas, além de vender o produto, quer chamar a atenção de quem assiste. Para isso, recursos como cores, sons, imagens, histórias envolventes e a própria linguagem são explorados para gerar emoções e conexões, mantendo o telespectador engajado na mensagem transmitida. A Coca-Cola, por exemplo, é uma das marcas que mais aplicam com sucesso a técnica do storytelling em suas propagandas, especialmente aquelas de Natal que visam emocionar e passar uma mensagem de esperança e bem-estar a quem assiste (mod.lk/ex_coca). O mesmo ocorre com filmes, seriados e novelas: entre cenas de ação, humor e drama, muitas histórias são contadas e construídas, gerando emoções diversas em quem acompanha, ganhando a atenção plena de quem está do outro lado da tela. Não se engane ao pensar que a técnica pode ser utilizada apenas em comerciais. O storytelling pode ser usado em apresentações de trabalho, de projetos, de propostas, em planejamentos, com o objetivo de explicar um conceito, ilustrar uma emoção, apresentar resultados, convencer, conquistar, inspirar e, principalmente, engajar.

Grandes storytellers e seus segredos  

Há alguns indivíduos que se destacaram e mudaram suas vidas por serem grandes storytellers e por utilizarem isso ao seu favor, seja para transmitir sua mensagem, para compartilhar uma causa, para expandir seus negócios ou para se tornar reconhecido em alguma área do conhecimento. É o caso de Steve Jobs, Martin Luther King Jr., Bill Gates e Malala Yousafzai, que nos deixam algumas lições exploradas no livro Storytelling: Aprenda a contar histórias com Steve Jobs, Papa Francisco, Churchill e outras lendas da liderança, de Carmine Gallo:

STEVE JOBS Storytellers inspiradores são eles mesmos inspirados e compartilham o seu entusiasmo com o seu público.

MARTIN LUTHER KING JR. Grandes storytellers se tornam, não nascem assim. Aproveitam as oportunidades para aperfeiçoar suas habilidades de falar em público e de inspirar espectadores.

BILL GATES Quebre expectativas. Quando as pessoas acham que sabem o que vem adiante, surpreenda. Crie histórias inesperadas, chocantes ou surpreendentes. 

MALALA YOUSAFZAI Conte histórias com o coração. Uma boa história pode levar alguém às lágrimas; uma história magnífica pode dar início a um movimento.

A jornada do herói  

O modelo a seguir, também disponibilizado no livro de Carmine Gallo, foi compartilhado por Austin Madison, um animador e criador de storyboards de vários filmes da Pixar, como Ratatouille e Toy Story 3. Em uma apresentação, Austin compartilhou os 7 passos que os filmes da Pixar seguem e que têm como objetivo dar à plateia alguém por quem torcer:

Era uma vez um _________________. (O protagonista/herói)

Todo dia ele _________________. (O mundo desse herói é um mundo comum, cotidiano)

Até que um dia _________________. (Toda história atraente tem um conflito, um desafio para o herói) 

Por causa disso _________________. (Uma série de esforços vão acontecer e se conectar em sequência com a cena seguinte – como se tudo fosse se encadeando)

Por causa disso, _________________. (Outras cenas que são conectadas com as anteriores e as seguintes.) 

Até que finalmente _________________. (O clímax – o triunfo do bem sobre o mal)

Desde então _________________. (A moral da história) 

Agora, veja o exemplo aplicado ao filme Star Wars a partir da história do personagem Luke Skywalker: 

Era uma vez um menino de fazenda que queria ser piloto.

Todo dia ele ajudava na fazenda. Até que um dia sua família é assassinada. 

Por causa disso, ele se junta ao lendário Jedi Obi-Wan Kenobi. 

Por causa disso, contrata o contrabandista Han Solo para levá-lo a Alderaan. 

Até que finalmente Luke alcança seu objetivo e torna-se piloto de guerra e salvador da pátria. 

Desde então, Luke está a caminho de se tornar um cavaleiro Jedi. 

Um exemplo prático  

No meu caso, como professora de História, usei alguns elementos da Jornada do Herói (existem vários modelos para se contar uma história, a Jornada do Herói é uma das possibilidades) para chamar a atenção dos meus estudantes sobre uma temática pouco atraente para a maioria deles: as Cruzadas. Para esse tema, uni duas ferramentas: o storytelling para abordar o assunto e conquistar sua atenção e o Google Maps para aprofundamento e uma experiência de aprendizagem mais significativa. De forma resumida, iniciei a aula em círculo com um bate-papo sobre grupos de pessoas que percorriam, em expedições, longas distâncias, correndo todo o tipo de perigo, desde a fome até doenças para libertar locais sagrados pelos cristãos do domínio islâmico. Algumas pessoas do grupo acreditavam que, ao completarem a jornada, uma mistura de peregrinação com guerra, teriam seus pecados perdoados. 

Conforme a história se aprofundava, íamos abordando outros objetivos das Cruzadas e suas características, e muitas perguntas surgiam: “eles eram loucos?”, “Quantos dias eles andavam?”, “Eles iam morrendo pelo caminho?”, “Que distância eles percorreram?” Era o que bastava para convidar a turma à pesquisa. Em equipes, os alunos jogavam os dados que tínhamos disponíveis no Google Maps e descobriam a distância percorrida em cada Cruzada – com um paralelo ao mapa do mundo atual. De repente, eu ouvia: “professora, você não vai acreditar! Na primeira Cruzada, se a gente fizesse no Brasil saindo lá da pontinha do Rio Grande do Sul, a gente teria que andar até a Bahia! Por que eles faziam isso?! Como eles aguentavam?”. Bem, a partir daí, o casamento entre o storytelling e o uso de ferramentas digitais foi o suficiente para que a aprendizagem das Cruzadas fosse um tema mais relevante, significativo e proveitoso para a turma e eu poderia dar sequência a outras coisas interessantes que veríamos juntos sobre aquele período.

Outro exemplo na minha trajetória como professora foi uma série de arquivos fictícios e pessoais dos tempos da Segunda Guerra Mundial que criei a partir do conteúdo que trabalharia. Era uma turma de Ensino Médio e, num primeiro momento, imaginei que, devido à idade e à fase de vida, os alunos não se interessariam e minha ideia iria por água abaixo. Ledo engano: pessoas amam histórias e desafios. 

Cortei algumas folhas de papel sulfite, derramei café nelas e deixei que secassem de um dia para o outro. Resultado: folhas marrons, parecendo papel antigo. Juntei restos de papel kraft, papel cartão preto e alguns envelopes de carta. O próximo passo foi a definição dos meus personagens: os “donos” dos arquivos. Assim fiz: duas amigas judias se escondendo com suas famílias; pai e filho alemães, sendo o filho soldado do exército; esposa e marido japoneses, sendo ela enfermeira em guerra, e outros. Escrevi à mão algumas cartas curtas, todas com datas do período entreguerras. Na internet, consultei cartões-postais antigos com imagens da França e da Europa em geral, para simular cartões enviados por correspondência. Também imprimi selos de carta da época e colei nos envelopes. Para as cartas mais longas, escrevi no Word, utilizando a fonte Courier New (semelhante à fonte de máquinas de escrever, para manter a sensação de ser algo antigo) e juntei alguns objetos que pareciam antigos. 

Cada equipe ganhou um arquivo e teve de ler, analisar as datas, as informações e descobrir a relação entre o remetente e o destinatário, descobrir o período em que viviam, o que contavam, no que trabalhavam, enfim, uma simulação ao trabalho de pesquisa de um historiador, que tem de lidar com documentos não lineares e que não trazem todas as informações. Ao final, cada equipe apresentou seus personagens e contou suas histórias baseando-se na documentação disponibilizada. Hoje, já adultos, quando os alunos daquela turma me encontram, afirmam: “professora, nunca mais esqueci o que estudamos sobre a Segunda Guerra Mundial e o que aconteceu naquele período”. Tudo porque estudamos um período tão importante, com histórias “reais” em pano de fundo. 

Como começar o storytelling? 

Agora você deve estar se perguntando: quais lições um educador storyteller pode dar a outro educador que quer explorar essa técnica? Como professora de História e, consequentemente, mas não acidentalmente, uma contadora de histórias, compartilho algumas sugestões:

① Pense de forma interdisciplinar. Todas as áreas do conhecimento estão conectadas; a matemática, a geografia, a história, as linguagens, a arte, a educação física, a química – no universo, não há gavetas separando os temas. Conectar a sua temática com outra área ajuda a dar sentido e demonstrar a relação entre o cotidiano e o que está sendo explorado. Numa receita de bolo, a matemática (quantidades) e a química (fermentação) podem se juntar e se transformar em uma história que envolve a vida cotidiana, algo palpável, concreto.

Vejamos um exemplo.

“Pessoal, vocês não imaginam o que aconteceu comigo ontem! Estava muito feliz pelo aniversário do meu sobrinho que fez 18 anos, então me inspirei, tomei coragem e fiz algo que nunca faço: um bolo! Peguei uma receita qualquer na internet, às pressas e sem perceber que as quantidades não estavam fazendo muito sentido. Ao final percebi que havia colocado pouca farinha, muitos ovos e muito fermento. Imaginem o resultado! O bolo ficou com um aspecto estranho e como usei muito fermento, que tem sua reação causada pela temperatura e que só para quando todo o fermento reage, o bolo crescia sem parar! Eu me lembrei da importância das frações na cozinha, seja para não comer comida salgada demais, para não desperdiçar ou mesmo para não causar essa catástrofe que foi o meu bolo de aniversário. Depois de tudo isso, vamos aprender a fracionar e perceber o quanto utilizamos isso no nosso dia a dia?” 

② Domine o conteúdo. Para contar histórias, saiba bem do que está falando. Depois, pense em situações que podem ser reais (a biografia de um ícone daquela área), pessoais (quando você mesmo vivenciou e tirou uma lição) ou criadas (quando você conta situações envolvendo uma história). 

③ Use e abuse de elementos atraentes. Pense em todos os elementos e ferramentas necessários à sua história para torná-la mais relevante. Você pode incluir seus alunos como personagens, sua cidade, a escola; pode inserir algum cantor, uma celebridade, alguém muito conhecido na cidade; pode eleger uma música-tema e usar ferramentas simples do cotidiano da turma como gifs, memes, vídeos, imagens, enfim, o que puder ilustrar esse momento ou partes da história. 

④ Use sua voz. O tom de voz mais baixo indica a sensação de suspense, de contar um segredo. Isso atrai a atenção dos estudantes para o que vem a seguir. Além disso, um tom de voz mais alto indica ânimo, energia, e se utilizado para enfatizar momentos, destacar falas e indicar sensações como a de susto torna a história mais envolvente.

⑤ Ilustre com objetos reais: Antes de falar sobre frações, você pode levar alguns objetos e pedir à turma que divida, some ou multiplique, por exemplo. Em vez de chegar em sala de aula afirmando: “Turma, hoje vamos estudar o Egito Antigo”, apresente imagens de tumbas, das pirâmides, da esfinge, do Egito hoje, ilustrações de Cleópatra e outros ícones egípcios. Faça hipóteses antes de você entrar de vez na temática.

⑥ Avalie com storytelling. Que tal pensar na avaliação utilizando o storytelling? Crie um personagem que precise de ajuda e, a cada questão respondida, o estudante chega mais perto de salvá-lo do mal. 

⑦ Crie zines. Zines são a abreviação de fanzines, muito utilizados por produtores culturais de pequena circulação. São pequenos livros feitos com papel sulfite e que podem ser utilizados como cartões, biografia, livros com histórias curtas, cartões com resumos de conteúdos, etc.

⑧ Desperte a criatividade com ferramentas digitais. Uma boa forma de trabalhar storytelling como aliado no desenvolvimento da competência 4 da BNCC – a comunicação –, são as histórias em quadrinhos, exercitando a expressão a partir de uma variedade de linguagens e plataformas, utilizando a criatividade. Você pode lançar o desafio para os seus alunos através de ferramentas como o Storyboard That (www.storyboardthat.com/pt), o Strip Generator (www.stripgenerator.com) e o Make Beliefs Comix (www.makebeliefscomix.com). Com essas ferramentas digitais, os alunos podem contar sua própria história, a história de um grande cientista, de um escritor ou resumir uma história literária. Além disso, a turma pode sintetizar o conteúdo visto ou trazer curiosidades adicionais sobre a temática estudada.

Nossa história está chegando ao fim, mas para ajudar você, professor, a perceber a importância de conquistar a atenção dos seus estudantes e propiciar uma aprendizagem cada vez mais significativa, finalizo este breve roteiro com uma fala do especialista em Neuroeducação, Francisco Mora, em seu livro Neuroeducación: solo se puede aprender aquello que se ama, publicado em 2013: “A curiosidade, o que é diferente e se destaca no entorno, desperta a emoção. E, com a emoção, se abrem as janelas da atenção, foco necessário para a construção do conhecimento” (p. 66).

 

Emilly Fidelix

é professora há 12 anos, tendo trabalhado com turmas de Educação Infantil ao Ensino Superior. É historiadora, doutoranda em História Global (UFSC) e Especialista em Tecnologias, Comunicação e Técnicas de Ensino (UTFPR). Também é criadora da página no Instagram @seligaprof na qual explora temas como tecnologias e metodologias ativas.

 

PARA SABER MAIS 

  • GALLO, C. Storytelling: Aprenda a contar histórias com Steve Jobs, Papa Francisco, Churchill e outras lendas da liderança. São Paulo: Alta Books, 2018.
  • MORA, F. M. Neuroeducación: Solo se puede aprender aquello que se ama. Madrid: Alianza Editorial, 2017. 

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FORMAÇÕES EDUCATRIX

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A implementação de uma solução educacional de qualidade possibilita acessar uma série de recursos capazes de proporcionar uma formação mais completa aos alunos.

O material didático é responsável por nortear o aprendizado e aplicar a metodologia de ensino trazida pela solução educacional. No entanto, esse tipo de solução vai além de oferecer livros à escola. É preciso conhecer recursos pedagógicos valiosos para complementar o projeto da sua instituição.

Conheça a seguir 4 recursos pedagógicos que merecem atenção na hora de escolher uma solução educacional para sua escola:

1. Cultura avaliativa

É através do desenvolvimento de uma cultura avaliativa que as soluções educacionais conseguem atuar de maneira mais eficaz nas suas escolas parceiras.

Ao analisar resultados, a solução educacional consegue propor formações e intervenções pedagógicas que contribuam com a melhoria acadêmica dos estudantes. Além disso, cabe à solução conscientizar, preparar e estimular a comunidade escolar para a aplicação de avaliações periódicas.

2. Learning Management System

Como parte de uma solução educacional, é possível contar com sistemas inteligentes que possibilitam a organização e o acesso a materiais didáticos, e que podem até trazer avaliações e exercícios.

Essa é a ideia por trás de um Learning Management System (LMS). Uma boa plataforma LMS reúne funções de gestão de conteúdo digital, mensagens, fóruns e atividades complementares. Além disso, verifique se o LMS é suportado por dispositivos móveis.

3. Metodologias inovadoras

Cada solução educacional pode trazer propostas de metodologias diferentes para a realidade da escola. É o caso, por exemplo, de metodologias ativas, que trazem estratégias de ensino para atender a perfis de aprendizagem distintos.

As metodologias propostas pela solução educacional têm o potencial de transformar completamente a forma como o aprendizado acontece. Então, trata-se de um aspecto muito importante a ser analisado ao tomar essa decisão.

4. Propostas de uso de ambientes

Os ambientes de uma escola exercem um papel fundamental no processo de aprendizagem. Portanto, parte da proposta de valor de uma boa solução educacional deve buscar a transformação desses espaços tendo o aprimoramento da aprendizagem como objetivo.

Um exemplo disso é a sala de aula multimídia, que pode contar com projetor, dispositivos digitais para o professor e roteador Wi-Fi para acesso à internet. Outra possibilidade é um espaço voltado para aplicar a cultura maker, possibilitando aos alunos aprenderem com base no movimento “faça você mesmo”. 

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