Em tempos de profundas transformações nas quais os mundos físico, digital e biológico se misturam e os seres humanos e as máquinas se relacionam de forma cada vez mais próxima, precisamos desenvolver uma inteligência emocional digital para enfrentar novos desafios e aproveitar oportunidades inéditas de aprendizado e de crescimento.
Nas últimas décadas a nossa vida vem rapidamente se tornando digital. Estamos a todo momento não somente utilizando diversas tecnologias como também sendo, sem perceber, profundamente influenciados por elas. Vivemos rodeados de tecnologias digitais acessíveis, intuitivas, disruptivas e extremamente atraentes, o que nos coloca em uma posição ao mesmo tempo de poder e de vulnerabilidade. Munidos de ferramentas tão eficazes, somos capazes de desenvolver produtos e serviços que podem resolver problemas graves nos cantos mais remotos do mundo. Por outro lado, essas tecnologias têm o potencial de nos trazer riscos perigosos e difíceis de prever e manejar.
A iminência da Quarta Revolução Industrial está nos impondo reflexões e atitudes que permeiam todo o cenário digital, pois já começamos a observar transformações profundas em vários níveis da sociedade. Dentro dessa revolução, novas formas de produzir, de consumir e de se relacionar com as pessoas e com as coisas devem fazer com que a sociedade passe a ser mediada pela mobilidade, pela alta conectividade e por tecnologias digitais muito complexas que dissolverão as diferenças entre os seres humanos e as máquinas. Robôs companheiros, brinquedos inteligentes e tecnologias assistivas já são uma realidade e tendem a invadir o mercado nos próximos anos com a promessa de nos entender e nos ajudar em inúmeros aspectos do nosso cotidiano.
O fenômeno chamado “Figital” mostra que, pouco a pouco, a fronteira entre o mundo físico e o digital se confunde e dá lugar a novas formas de relacionamento entre as pessoas, a jeitos inéditos de aprender e de ensinar, a novos desafios éticos e a diferentes maneiras de se posicionar no mundo.
Há alguns anos construímos uma presença digital que começa a fazer parte da nossa identidade pessoal. Nossas experiências digitais estão moldando a nossa personalidade e abrindo caminhos para novas formas de trabalho e de desenvolvimento pessoal.
Como eu devo me comportar nas redes sociais? Como navegar na internet de forma segura e responsável? Quais ferramentas tecnológicas darão suporte ao meu trabalho? Como posso usar a tecnologia para o meu bem-estar? De que forma as tecnologias avançadas afetarão a humanidade?
Cada vez mais, tais questionamentos fazem parte do nosso modelo mental e são absolutamente necessários para a evolução das sociedades. Dentro deste contexto ultratecnológico, como podemos aproveitar as oportunidades e nos proteger de possíveis riscos?
É urgente entendermos melhor o papel das tecnologias no nosso bem-estar e na evolução do mundo. Para isso, o conceito de “sabedoria digital”, proposto por Marc Prensky em 2012, pode ser útil. Para ele, sabedoria significa a habilidade de encontrar soluções práticas, criativas, adequadas aos diferentes contextos e emocionalmente satisfatórias para problemas complexos. Segundo o autor, a “sabedoria baseada em tecnologia” é um conceito duplo, pois se refere tanto à sabedoria adquirida a partir do uso da tecnologia digital quanto àquela que usa a tecnologia para melhorar as nossas capacidades inatas como seres humanos.
Com o avanço nas pesquisas e no desenvolvimento de máquinas inteligentes, a combinação entre as tecnologias avançadas e a mente humana pode resultar em um cérebro capaz de pensar melhor, de tomar decisões mais assertivas e de fazer escolhas mais adequadas. Porém, devemos nos perguntar se esta fusão mente-máquina poderá nos distanciar da nossa essência humana, da nossa capacidade de amar, de cuidar, de sentir a dor do outro e de ajudar as pessoas sem pedir nada em troca. Para atingirmos uma sabedoria digital e mantermos o lado bom do ser humano, precisamos ser emocionalmente inteligentes com relação às tecnologias e ao ambiente virtual.
Desenvolvendo a inteligência emocional digital
Muito se fala da necessidade de desenvolver uma inteligência emocional para lidar com as complexidades do mundo atual. Entender as próprias emoções, trabalhar em grupo, resolver problemas, ser criativo e tomar decisões adequadas são alguns exemplos de competências mais do que urgentes atualmente. No entanto, é necessário ampliar os horizontes e transpor estas habilidades também para o âmbito digital. Em 2016, o Fórum Econômico Mundial propôs o termo “Inteligência Emocional Digital” como um dos pilares de uma habilidade mais ampla e essencial no século XXI: a inteligência digital. Todavia, a definição do termo ficou restrita à noção de ser empático e capaz de construir bons relacionamentos on-line. Desta forma, iremos abordar o conceito de “Inteligência Emocional Digital” como um conjunto de habilidades que abrange alguns pontos:
- 1. Conhecimento da linguagem das tecnologias que usamos.
- 2. Abertura para aprender e incluir novas tecnologias no cotidiano.
- 3. Entendimento sobre os próprios hábitos tecnológicos e comportamentos nas redes sociais.
- 4. Gestão das emoções quando estamos on-line.
- 5. Reflexão sobre o impacto das tecnologias no desenvolvimento pessoal.
- 6. Comunicação eficaz e respeitosa nos canais digitais.
- 7. Empatia com o comportamento e as emoções dos outros em ambientes virtuais.
- 8. Habilidade de se relacionar on-line e com as tecnologias de forma sensata, cuidadosa e ética.
- 9. Desenvolvimento de uma visão crítica sobre os conteúdos produzidos e compartilhados na internet.
- 10. Criação de uma estratégia sobre o próprio posicionamento nas redes sociais, considerando os objetivos de vida e profissional.
- 11. Criatividade para gerar tecnologias que atendam às necessidades humanas.
- 12. Compreensão do impacto social e global das novas tecnologias na evolução da humanidade.
A partir deste conjunto de habilidades, devemos criar uma atitude constante de reflexão e ação para aperfeiçoar e ampliar a nossa inteligência emocional digital e a nossa sabedoria digital. A seguir, vamos conhecer quatro esferas interdependentes em que diferentes habilidades para a vida digital devem ser desenvolvidas para lidarmos com as oportunidades e com os desafios impostos pela Quarta Revolução Industrial: Eu Digital, Família Digital, Escola Digital e Mundo Digital.
EU DIGITAL
O Eu Digital se refere ao indivíduo e à sua relação pessoal com o ambiente digital e com o uso das tecnologias. Nesta esfera, podemos exercitar o autoconhecimento e a gestão das próprias emoções no ambiente digital. Reflexões do tipo “Como eu me sinto ao lidar com esta ferramenta tecnológica? Que tipo de emoções a internet e as redes sociais evocam em mim? De quais redes sociais eu devo participar e por quê?” são essenciais para o desenvolvimento de uma inteligência emocional digital. Outros elementos importantes para o Eu Digital são a manutenção de hábitos pessoais digitais seguros e sem excessos; e a construção de uma identidade digital coerente com as atitudes e os valores que exercemos no cotidiano. Além disso, é importante termos a consciência do rastro digital que deixamos ao usar a internet e pesquisar sobre quais tecnologias podem auxiliar na organização do nosso cotidiano e bem-estar geral. Desta forma, vamos construindo uma saúde mental digital.
FAMÍLIA DIGITAL
Família Digital é a esfera que abrange a cultura familiar e os hábitos tecnológicos da família como um todo. Os pais têm um papel fundamental na educação digital dos filhos, tanto para orientá-los com relação aos benefícios e riscos das tecnologias, como também para criar uma rotina on-line saudável. Além disso, os adultos da família devem servir como modelo e inspiração para as crianças a partir das suas atitudes. Abertura para o uso de novas tecnologias, reflexão sobre os hábitos tecnológicos, compreensão das próprias emoções on-line, diálogo sobre os assuntos ligados ao âmbito digital, proteção no ambiente virtual e pesquisa sobre novas tecnologias que podem ser úteis são diretrizes importantes para criarmos crianças e adolescentes capazes de serem responsáveis e independentes no mundo digital. Afinal de contas, as novas gerações tendem a conhecer melhor do que os adultos as inovações tecnológicas e as suas formas de uso. Independência com responsabilidade continuará sendo um alicerce indispensável na formação dos jovens.
ESCOLA DIGITAL
A esfera da Escola Digital abrange aspectos relacionados às políticas públicas em educação e tecnologia, à cultura digital da escola e às estratégias de ensino e aprendizagem digitais. Questões sobre a infraestrutura de internet da escola, as tecnologias usadas, o ensino de programação, a implementação de programas de cidadania digital, a gestão de conflitos on-line envolvendo alunos e a integração do brincar com tecnologias que tornem o aprendizado mais eficaz são alguns dos pilares desta esfera. A escola tem um papel importante em trazer discussões mais amplas sobre as tecnologias e as necessidades do mundo, incentivando projetos que envolvam não somente a criação de conteúdo digital como o desenvolvimento de iniciativas práticas que resolvam problemas reais. Estas atividades têm o potencial de formar alunos capazes de serem agentes de transformação social, de pensar de forma global e crítica e de manter uma atitude de constante aprendizado.
MUNDO DIGITAL
Na esfera do Mundo Digital, podemos desenvolver a inteligência emocional digital por meio da capacidade de refletir e agir sobre os impactos globais das novas tecnologias. Questões como o monitoramento constante das pessoas, o desemprego em massa, a exclusão digital, a ética na criação e na aplicação de novas tecnologias e o uso tecnológico para solução de problemas globais precisam fazer parte da consciência e da preocupação das pessoas. Os dilemas éticos e filosóficos ligados a tais questões precisam ser cuidadosamente analisados para que possamos entender quais caminhos queremos para a humanidade a partir da evolução tecnológica. Portanto, precisamos urgentemente levar essas discussões para as escolas e para dentro de casa a fim de ajudar as novas gerações a mapear diferentes cenários futuros, a antecipar problemas complexos, a evitar perigos irreversíveis e a vislumbrar novas oportunidades de vida que estejam alinhadas com as suas aspirações individuais, com as necessidades dos seres humanos e com as carências do mundo.
Para saber mais
- Prensky, M. (2012) Brain Gain: Technology and the Quest for Digital Wisdom. Editora Palgrave MacMillan Trade
- The Fourth Industrial Revolution: what it means, how to respond goo.gl/3RkVMr
- What is Your Digital Emotional Intelligence? goo.gl/26fnGX
- 8 digital skills we must teach our children goo.gl/HvCTZR
- The Emotional Intelligence Revolution (Search Inside Yourself Institute – Google) goo.gl/JUy4gh
- #DQEveryChild™: Any child to be able to measure their digital intelligence goo.gl/Dhbd2v
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Em meio aos incontáveis desafios enfrentados pelos educadores brasileiros, a educação está mudando e exige novas adequações. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta as aprendizagens que devem ser garantidas a todo estudante da Educação Básica, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O documento tem o intuito de nortear o currículo das escolas públicas e privadas do Brasil e determina, para cada etapa escolar, conhecimentos essenciais, competências, habilidades e objetivos de aprendizagem. Em sua essência, a BNCC visa ao preparo e ao desenvolvimento dos estudantes para a vivência, a convivência e a participação plena na sociedade.
Algumas competências gerais previstas pela BNCC abordam a relação dos alunos com o mundo do trabalho, a resolução de problemas e o uso de tecnologias como meio de resolvê-los. A Matemática ganha, então, espaço nas discussões e reflexões docentes, considerando-se sua relevância para o desenvolvimento dessas competências.
Há um longo caminho para atingir o objetivo maior de formar cidadãos críticos, atuantes e colaborativos, capazes de enfrentar os desafios do século 21. Esse caminho requer a adequação dos currículos, a formação inicial e contínua dos professores, a adequação, elaboração e o desenvolvimento de materiais didáticos e a criação de soluções educacionais eficientes. Essas propostas já contam com estudos recentes da área da Neurociência, como os trabalhos desenvolvidos por Jo Boaler ou David Dockterman. A aplicação das ideias desenvolvidas nesses estudos pode representar o início do processo para minimizar as desigualdades na Educação Matemática, que levam a um baixo desempenho nos exames nacionais e internacionais.
Alguns números da educação brasileira
Há algum tempo, observamos o fraco desempenho dos estudantes brasileiros em avaliações de larga escala, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Os resultados divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com base na última edição do Pisa, de 2015, mostram estagnação no desempenho em Leitura e Ciências e queda no desempenho em Matemática. Se compararmos nosso resultado com o dos países-membros da OCDE, percebemos o quanto estamos atrasados e o grande desafio que temos pela frente. Em Leitura, a média desses países foi de 493 pontos, enquanto a média do Brasil foi de 407 pontos. Em Ciências, obtivemos 401 pontos contra 493 dos outros países. Em Matemática, que teve a primeira queda desde 2003, os estudantes brasileiros obtiveram 377 pontos, um resultado bem abaixo dos 490 pontos obtidos pelos países-membros da OCDE. Dos 72 participantes avaliados, o Brasil ficou na 65ª posição.
De acordo com a OCDE, o nível 2 de proficiência é considerado o mínimo adequado para a plena participação na vida social, econômica e civil. O cenário nacional é, portanto, trágico, já que 70,3% dos estudantes brasileiros estão abaixo desse indicador.
Diante desses resultados, fica evidente a necessidade de investir em mudanças. Como educadores, é preciso refletir sobre o nosso papel docente e participar ativamente das discussões sobre a reforma do ensino brasileiro em todas as esferas, revendo a infraestrutura, a adequação do currículo à realidade e às necessidades dos alunos e a importância da formação profissional contínua.
A matemática e a busca de novos caminhos
Grande parte das escolas brasileiras ainda ensina matemática de forma segmentada e conteudista, carente de formação específica de professores e vulnerável à inconsistência do sistema educacional. Essa prática influencia diretamente os resultados abaixo da média nas avaliações de larga escala. Ao refletir sobre os resultados do Pisa, o físico e estatístico alemão Andreas Schleicher, coordenador desse sistema de avaliação, disse que “conteúdo em excesso é sinônimo de aprendizado superficial”. Ele analisou o currículo de Matemática de diferentes países e concluiu que o currículo brasileiro contém o triplo de conteúdo do currículo de Singapura, país que está no topo nos índices de desempenho. Schleicher falou sobre a importância de “ater-se aos conceitos essenciais e às ferramentas que permitem ao aluno raciocinar melhor”.
Em Os sete saberes necessários à educação do futuro, o filósofo francês Edgar Morin afirma que “ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria delas contém erros e ilusões, mesmo quando pensamos há vinte anos atrás e constatamos como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução”. Nesse sentido, o olhar crítico e reflexivo sobre as práticas didático-metodológicas brasileiras talvez seja uma estratégia mais adequada para nos manter abertos a outras linhas de pensamento e a abordagens capazes de enriquecer nosso repertório, ampliar nossa visão e possibilitar mudanças eficazes.
Diversos caminhos podem ser trilhados para atender às necessidades da educação nos dias de hoje:














